Diálogos
Grupo de Pesquisa do Laboratório Ártemis de Estética, Ontologia e Patrimônio
SALA 2.57
Neste espaço apresentam-se algumas produções autorais dos integrantes e (ex)integrantes do grupo de pesquisa. O espaço está aberto a contribuições de graduandos e de toda comunidade.
O mundo não se abre com faca, abre com poesia.
Manoel de Barros
'limiares' é um conjunto de poemas, escrito entre os anos de 2010 e 2016, organizado em torno de três temas (ou tempos): a palavra poética, o amor, a memória. Não há nada de novo, portanto: são temas tão relevantes quanto comuns na história da literatura e da poesia. Mas, como diz uma das palavras que servem de epígrafe ao livro, "a novidade de tudo que digo está na força da repetição".
Carlos Arthur Resende é ex-integrante do Grupo de Pesquisa e egresso do curso de Filosofia da UFSJ. Atualmente é doutorando em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Tem experiência na área de Filosofia, atuando nos seguintes temas: Ontologia Fundamental e Metafísica tradicional, Filosofia da arte, Linguagem e Memória, Filosofia e Poesia. `limiares' está disponível para venda, contactar o autor.
Vocação
Arthur Resende
Manejar a palavra-instrumento:
para limar as arestas do mundo;
para abrir caminho entre as gentes;
para cobrir o fosso de nossas emoções;
para escavar ruínas do tempo morto.
Tudo isso nos dá:
o saber, que a todos consola;
os outros, nos quais desaguamos;
o amor, que a todos ilude;
a memória, na qual nos perdemos...
− porém, escapa-nos a ferramenta.
Usá-la é lançá-la fora, no vento.
Retê-la é torná-la sem proveito.
Quem quer agarrar a palavra
não pode, senão, calá-la.
(Cabeça jovem, ainda não entendes
o poder de um sacerdócio, que te oprime
à quietude − mas sentes:
Reter a palavra é despedir-se do mundo;
é estar só ao lado de Deus − e ele é silêncio.
Poeta é alguém que se ausenta...)
Stella cadens
(Uma elegia)
Arthur Resende
* * *
À memória de Stella Sampaio
a morte consolidou
o silêncio, suspendeu
as palavras, deixou
nosso próximo encontro
infinitamente adiado,
sua presença infinitamente
passada.
o tempo comeu-me a lembrança
de tua voz e de teus olhos,
capturou em algum lugar, pelos
becos da memória, a noite
de nossa única conversa −
restou, como sempre, um lugar vazio,
esse insondável ancoradouro das coisas
que ficaram por acontecer, donde acenam
os fantasmas de um futuro natimorto.
és, agora, Estrela: visível, porém
intocável. te encontraste
com teu próprio nome − sempre fatal
a hora em que somos exatamente
como nos chamamos, mas o mais alto,
para o humano, é que o Nome seja um destino.
morrer é passar do mundo à linguagem −
é morar nas palavras, dormir no alento divino...
Seu olhar nordestino
Gilson Dionísio da Silva Junior
Verdes olhos,
Olhos verdes de Maysa,
Olhos verde de mar...
Mar da Bahia, mar do nordeste...
Verde que faz
Limiar entre o mar e o azul do céu,
Limiar entre Rosa e Amado,
Limiar entre o sertão e as crianças,
Limiar entre Bahia e Minas.
Seu beijo faz a reconstituição da metafísica,
Reconstituição da ontologia,
A reconstrução de si...
O nascer do sol está em ti,
Na esperança de outro dia nascer,
Em você que é verde,
Em ver-te,
Em visão, a paixão dos sentidos.
A pirata dos sete mares,
Onde o sol está no mar
E o mar no céu,
Onde a estrela é do mar
E a água viva. Vida...
Visão...
O olhar é verde,
Verte água de todos os mares,
Ver-te em todas as águas.
Olhar que destina,
Dá norte,
Norte no destino,
Ah! Esse olhar do destino,
Um olhar nordestino...
II
Beija-me,
Esqueço.
Lembro-me...
Beija-me;
Vejo o mundo, vejo você.
Vejo a Bahia, vejo o Nordeste.
Vejo o sol,
Nascendo do Fuji
E se pondo em mim...
Sonho,
Ebriedade,
Loucura,
Eu,
Tu,
Pronomes...
Seu nome. Seu olhar.
Olhar de norte, olhar de destino,
Olhar de mar, mar no destino.
Ver-te verde vertente.
No destino, que olhar guia.
Que olhar nordestino...
Em construção...
domingo.
Victor Brando
o sol vem pequeno, a manhã é calada, manhã-ritual. o ar que te corre é limpo, o tempo, manso tapete, acena. e voam teus braços dormentes, e voam também teus pés, chão e céu. acabas de acordar, é sim teu corpo-casa, é sim a mesma mobília, o mesmo alimento que te nutre. e ainda todas as fechaduras, os copos sujos e a terra modesta que em algum lugar é vida.
cuidas para fazer do minuto o sertão, e habitar. habitar é palavra de ordem, ainda que as vezes são pequenas as agulhas que temos de atravessar.
pois eu me levanto oito ou nove horas depois, em posse de todas as agulhas e o cobertor. o dia já é lâmina fina, o tempo tropeça.
acordar é mesmo fundamental.
O EP Mulher Água é balanço sereno em tempos de tempestade; é fluidez que resiste à dureza; desliza da superfície às profundezas; embala, sustenta e dissolve o caos em meio ao canto do mar.
Ana Clarice Rodrigues Costa
IV
Victor Brando
cada vez que eu aconteço no meu mundo
três gotas caem sobre minha cabeça
ora as penso surpresa
ora as penso castigo
custo me reinventar
João
Gilson Dionísio da Silva Junior
É nada.
Coisa que vem de lugar algum
E leva para lugar nenhum.
É nadar.
Passar um mar a braço como
Que sem ar respira.
É amar.
Chorar ao dormir por de ti lembrar,
Mas sorrir ao acordar por contigo sonhar.
É falar.
Articular signos que nada são,
Que nadam por sons e dizem o que é amor.
É sonhar.
Talvez lembrar um passado tão presente
Que forçam a assumir o disfarce da felicidade.
É fumar.
Sonhar que, ao falar, sobre o branco tecla de piano
Que a vida exígua diminui pelo bem da existência.
É ser.
Já ser onde jaz sido,
Ser em futuro é "ão", por isso ser João.
Eras Jo e és Jo, logo, Jo-ão.