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pensamento brasileiro

Ana Clarice Rodrigues Costa e Izabella Corrêa Magalhães Coutinho

        Desde 2016, a Coluna da ANPOF (Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia) leva a efeito um projeto de debate entre a filosofia e a experiência contemporânea. O projeto tem como objetivo criar uma frente de discussão visando, em primeiro lugar, o diálogo entre a filosofia, a ciência, a arte e a cultura, abordando temáticas contemporâneas como questões de gênero, democracia, neoliberalismo, aborto, filosofia na escola, etc. Dentre as variadas questões problematizadas no espaço da Coluna, surge a consideração “da existência ou não de uma ‘filosofia brasileira’ como um problema fundamental para os nossos dias” (HADDOCK-LOBO, 2016).
           O debate sugere que o próprio termo “filosofia brasileira” já nos coloca diante de algumas dificuldades iniciais dada a impossibilidade de se considerar restritivamente as filosofias como nacionais. A questão seria então perguntar por um traço distintivo da filosofia produzida desde o Brasil, “perspectiva que pode abranger muitas nacionalidades e territórios, mas que ainda assim será peculiar” (CABRERA, 2016).
        Mas então, se há uma peculiaridade na produção filosófica brasileira, como abordá-la? As dificuldades em torno do tema estendem suas raízes até nosso passado colonial, nos permitindo identificar o acentuado caráter de
filiação presente nas relações acadêmicas. Isto quer dizer que aqueles que não participam de determinado grupo, os “não filiados”, são tomados como estranhos que se equivocam em suas colocações, que não conhecem a área e que não leram os clássicos de forma suficiente. No âmbito da filiação não há debate, não há propriedade, como nos diz Safatle, só há aplausos ou silêncio (CABRERA, 2016; SAFATLE, 2016).
          Nesse sentido, tal passado colonial parece determinar ainda no contemporâneo os modos pelos quais vem à luz a produção filosófica nas universidades brasileiras. O que aparece é uma contradição posta entre a reivindicação de um filosofar próprio e uma lógica produtiva que permanece 
demasiadamente atrelada a aspectos que limitam o filosofar ou a experiênciafilosófica, uma filosofia de comentário ou escolástica, herdeira de um paradigma de investigação estruturalista francês. ( SOUZA, 2016) 

          Mas podemos persistir na pergunta: será que não observamos no Brasil os rastros de uma experiência própria de pensamento, quer seja ela filosófica, literária, musical, cinematográfica, fotográfica? Ao formularmos a questão dessa maneira consideramos não só o que a filosofia é enquanto história da filosofia, isto é, tradição de um mundo grego-romano-europeu, mas sobretudo, a partir de onde ela se torna possível. Como nos diz Cabrera (2016), o pensamento ocidental-europeu diz respeito a apenas um aspecto do que compõe as possíveis experiências de pensamento no Brasil dada nossa matriz de formação plural africana-indígena-européia.
        O “Movimento Antropofágico”, de 1920, talvez tenha sido a primeira assinatura de pensamento singular brasileiro, sendo esse brasileiro a representação não de um idêntico, mas sim da multiplicidade de influências que
compõe nossa cultura (CABRERA, 2016). O elementar de nossa singularidade parece emergir não de uma diferença proveniente da exclusão de um outro, de uma outra cultura; o que se daria em nosso caso seria justamente o oposto, a singularidade brasileira teria sua proveniência dessa experiência radical de incorporação, de fagia; a nossa diferença é o que emerge com o outro, do 
encontro com o outro, com essas matrizes se amalgamando e não se
diferenciando entre si. 

            Desse modo, para falar a propósito de um pensamento brasileiro devemos considerar mais que a herança da filosofia ocidental em que tomamos parte. Falaremos de um pensamento brasileiro quando pudermos pensar o que até agora permanece impensado ou obscurecido por essa tradição, quando pudermos lançar um olhar cuidadoso sobre outras experiência de pensamento, como o pensamento iorubá e ameríndio. Quando pudermos, “com a mesma dignidade filosófica que concedemos aos grandes pensadores europeus” (CABRERA, 2016), reconhecer e investigar o pensamento manifesto em nossa matriz negra e indígena, aí sim falaremos a propósito de um pensamento desde o Brasil. Para tanto, é preciso também deixar ver como tal pensamento se expressa em nossa produção literária, musical, cinematográfica. 

 

Referências:
Coluna da ANPOFhttp://anpof.org/portal/index.php/en/comunidade/coluna-anpof
Filosofia Brasileira - uma questão? Rafael Haddock-Lobo (05/10/2016);
Seria necessário algo como uma "filosofia brasileira? Vladimir Pinheiro Safatle (19/10/2018);
Filosofar desde Brasil: Além de uma mera questão nacional (acerca de um texto de Haddock-Lobo e uma réplica de Vladmir Safatle). Júlio Cabrera (20/12/2016);
Fenomenologia do Brasileiro. Vilém Flusser (1998).
De como ainda não fazemos filosofia mas bem podemos começar a fazer. José Crisóstomo de Souza. (01/12/2016)

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